Consciência Negra ou Humana?
365 dias de Consciência Humana? Seria lindo se não estivéssemos no Brasil. Esse tipo de “grito” por “consciência humana” exatamente no Dia da Consciência Negra soa como um reforço àquele discurso extremamente conservador segundo o qual “não existe racismo no Brasil”
Por Rafael Patto, via Facebook
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A página do cantor e compositor Ivan Lins publicou hoje, 20/11, uma foto com a seguinte mensagem: “Por 365 dias de consciência humana”.
Lindo isso, se não estivéssemos no Brasil. Esse tipo de “grito” por
“consciência humana” exatamente no dia em que celebramos o Dia da Consciência Negra
me soa como um reforço àquele discurso extremamente conservador – do
qual Ali Kamel e Demétrio Magnoli são adeptos – segundo o qual “não
existe racismo no Brasil”. Logo, não seriam necessárias essas
manifestações por afirmação identitária, como as que são promovidas pelo
Movimento Negro e que, aos poucos, vão sendo incorporadas como parte
dos esforços do poder público em reparar os erros e crimes que foram e
são cometidos contra a parcela negra da nossa população.
Quase QUATRO QUINTOS da nossa História (é pouco isso?) foram vividos
sob o regime escravocrata. A escravidão não foi praticada
indiscriminadamente contra todos os seres humanos que aqui viviam até
1888. Não é possível que hoje queiramos fingir para nós mesmos que as
consequências da escravidão sejam ainda sentidas, sem qualquer
distinção, por brancos e negros.
Falar que o Dia da Consciência Negra deveria ser substituído por um
dia da “consciência humana” no nosso país seria como sugerir que todo
esse passado de violência atroz contra os negros seja esquecido.
Combinamos assim: “faz de conta que ninguém foi tratado diferentemente
em razão da cor de sua pele e, por isso, hoje somos todos iguais.
Humanos, com as mesmas oportunidades. Né?” Isso é o cúmulo da falta de
consciência histórica!
Se os seres humanos não tivessem inventado um sistema de dominação
que submete outros seres humanos a um poder instituído com base na
marginalização da maioria em razão de traços como origem geográfica e
cor da pele, aí sim, seria lindo celebrar a humanidade como uma coisa
harmônica.
Mas, enquanto persistirem os efeitos dessas experiências de
subjugação, exploração e aculturação que se abatem sobre aqueles a quem
foi negado até o direito de serem reconhecidos e respeitados como seres
humanos, temos a obrigação moral de reconhecer que infelizmente, no
estágio evolutivo em que nos encontramos hoje, muito pouco há para se
celebrar em razão do fato de sermos “todos seres humanos”, mas há muito o
que se lembrar a respeito de tudo o que já se fez neste país contra
seres humanos que, por causa da cor de sua pele, foram subcategorizados
como uma raça inferior não pertencente à espécie humana.
Não entendo por que ainda há pessoas que preferem, depois de tudo o que passou, fingir agora que sempre fomos todos bons amigos.
Quer dizer, até entendo sim…
Poema Protesto de Carlos de Assunpção
ResponderExcluirMesmo que voltem as costas
Às minhas palavras de fogo
Não pararei de gritar
Não pararei
Não pararei de gritar
Senhores
Eu fui enviado ao mundo
Para protestar
Mentiras ouropéis nada
Nada me fará calar
Senhores
Atrás do muro da noite
Sem que ninguém o perceba
Muitos dos meus ancestrais
Já mortos há muito tempo
Reúnem-se em minha casa
E nos pomos a conversar
Sobre coisas amargas
Sobre grilhões e correntes
Que no passado eram visíveis
Sobre grilhões e correntes
Que no presente são invisíveis
Invisíveis mas existentes
Nos braços no pensamento
Nos passos nos sonhos na vida
De cada um dos que vivem
Juntos comigo enjeitados da Pátria
Senhores
O sangue dos meus avós
Que corre nas minhas veias
São gritos de rebeldia
Um dia talvez alguém perguntará
Comovido ante meu sofrimento
Quem é que esta gritando
Quem é que lamenta assim
Quem é
E eu responderei
Sou eu irmão
Irmão tu me desconheces
Sou eu aquele que se tornara
Vitima dos homens
Sou eu aquele que sendo homem
Foi vendido pelos homens
Em leilões em praça pública
Que foi vendido ou trocado
Como instrumento qualquer
Sou eu aquele que plantara
Os canaviais e cafezais
E os regou com suor e sangue
Aquele que sustentou
Sobre os ombros negros e fortes
O progresso do País
O que sofrera mil torturas
O que chorara inutilmente
O que dera tudo o que tinha
E hoje em dia não tem nada
Mas hoje grito não é
Pelo que já se passou
Que se passou é passado
Meu coração já perdoou
Hoje grito meu irmão
É porque depois de tudo
A justiça não chegou
Sou eu quem grita sou eu
O enganado no passado
Preterido no presente
Sou eu quem grita sou eu
Sou eu meu irmão aquele
Que viveu na prisão
Que trabalhou na prisão
Que sofreu na prisão
Para que fosse construído
O alicerce da nação
O alicerce da nação
Tem as pedras dos meus braços
Tem a cal das minhas lágrima
Por isso a nação é triste
É muito grande mas triste
É entre tanta gente triste
Irmão sou eu o mais triste
A minha história é contada
Com tintas de amargura
Um dia sob ovações e rosas de alegria
Jogaram-me de repente
Da prisão em que me achava
Para uma prisão mais ampla
Foi um cavalo de Tróia
A liberdade que me deram
Havia serpentes futuras
Sob o manto do entusiasmo
Um dia jogaram-me de repente
Como bagaços de cana
Como palhas de café
Como coisa imprestável
Que não servia mais pra nada
Um dia jogaram-me de repente
Nas sarjetas da rua do desamparo
Sob ovações e rosas de alegria
Sempre sonhara com a liberdade
Mas a liberdade que me deram
Foi mais ilusão que liberdade
Irmão sou eu quem grita
Eu tenho fortes razões
Irmão sou eu quem grita
Tenho mais necessidade
De gritar que de respirar
Mas irmão fica sabendo
Piedade não é o que eu quero
Piedade não me interessa
Os fracos pedem piedade
Eu quero coisa melhor
Eu não quero mais viver
No porão da sociedade
Não quero ser marginal
Quero entrar em toda parte
Quero ser bem recebido
Basta de humilhações
Minh'alma já está cansada
Eu quero o sol que é de todos
Ou alcanço tudo o que eu quero
Ou gritarei a noite inteira
Como gritam os vulcões
Como gritam os vendavais
Como grita o mar
E nem a morte terá força
Para me fazer calar.
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