Cor da Pele registrou em 1987 a entrevista do saudoso jornalista e ativista do Movimento Negro Hamilton Cardoso, durante a festa que elegeu a Miss Negra São Paulo no Clube Piratininga no cidade de São Paulo.
Hamilton Bernardes Cardoso (1954-1999), foi jornalista e escritor, além de fundador e uma das principais lideranças do Movimento Negro Unificado (MNU).
No dia 25 de Abril de 2004 a "Folha de S. Paulo" publicou uma foto com articuladores das "Diretas Já". Hamilton está lá, no movimento pelas Diretas Já, em 1984. 20 anos depois era um dos ausentes, entre aqueles que voltaram para a foto atualizada, revivendo duas décadas de avanço da democracia. Certamente, se aqui estivesse faria um balanço para dizer que, além das formalidades e de obtermos alguma representação e visibilidade, como coletivo pouco caminhamos. Apoiaria os programas de cotas, mas certamente diria que são insuficientes.
Hamilton Bernardes Cardoso nasceu em Catanduva, em 10 de julho de 1953. Filho de Onofre Cardoso, músico, e de Deolinda Bernardes Cardoso, responsável pela estruturação da família e educação dos filhos. Segundo filho de quatro irmãos, cresceu em São Paulo e tinha muito orgulho de ter estudado no Colégio Caetano de Campos. Foi aí que começou a entender as desigualdades raciais. Formou-se em jornalismo tendo estudado na Faculdade Casper Líbero e na Metodista de Rudge Ramos.
Em 1978, foi um dos principais articuladores do Movimento Negro Unificado, levando políticos, estudantes , trabalhadores e intelectuais a se engajarem na luta contra o racismo no Brasil.
Após um atropelamento, no dia 1 de maio de 1988, depois de uma festa na Escola de Samba Peruche, onde com amigos havia assistido a uma apresentação do Olodum, Hamilton não se recuperou plenamente, pondo fim à propria vida, anos mais tarde. Foram muitas suas perdas no período . Havíamos nos divorciado e ele iniciava nova vida com sua companheira, também jornalista, que muito o motivava. Durante, entretanto, mais de um ano, em decorrência do acidente, viveu entre dores e grande confusão emocional, sentindo-se perseguido, deprimido. Em sua instabilidade emocional acreditava que eu, entre outros, queríamos sua morte. Perdeu o irmão mais velho e seus pais adoeceram.
Hamilton Cardoso, apesar do sofrimento , não deixou de escrever, de militar e influenciar muitos militantes que bebiam de sua sabedoria. Alguns valorizaram sua trajetória até mesmo acrescentando-lhe motivos para que continuasse a jornada.
A vasta, embora pouco acessível, produção de Hamilton Cardoso inclui livros dos quais é co-autor como "Movimentos Sociais na Transição Democrática", editora Cortez, organizado por Emir Sader, e "Dez Coisas sobre o Direito do Trabalhado", com Claudius Cecon. Matérias no "Diário Popular", na Ilustrada e no Folhetim da "Folha de S. Paulo" ilustram o trabalho como repórter. Seus textos políticos, do Jornal Versus aos de maior densidade no final dos anos 90, e algumas tentativas de crônicas representam contribuições ímpares.
Extraordinário repórter, mesmo no inferno de suas dores relatou dia a dia sua trajetória nos últimos anos, descrevendo os personagens com quem convivia com a sensibilidade e maestria de quem sabe tocar o imaginário dos leitores com fatos cotidianos. São cadernos reescritos e páginas coletados pela família, cartas e rabiscos organizados, todos pelos filhos, que deverão, no período de um ano, ser compartilhado em forma de publicação, como ele certamente os organizou para que assim fosse.
Irreverente, embasado em sólido e diversificado conhecimento teórico, incorruptível,intransigente na defesa do livre-pensar, transitava entre conservadores e revolucionários, sendo um dos intelectuais que sensibilizaram muitos de seus pares não negros para que abandonassem a conivência com o mito da democracia racial, para a compreensão da origem étnica como definidora da desigualdade e da pirâmide social.
Mas foi para dentro, com os negros, que viveu seu inferno e paraíso, que consolidou sua obra na curta existência. Mesmo sangrando em público suas mazelas , ou exibindo seu charme e carisma, Hamilton Cardoso, repórter e militante, se fez eterno por ser a cada instante um mobilizador de consciências. Hamilton Cardoso faleceu em São Paulo no dia 5 de novembro de 1999.
Mas foi para dentro, com os negros, que viveu seu inferno e paraíso, que consolidou sua obra na curta existência. Mesmo sangrando em público suas mazelas , ou exibindo seu charme e carisma, Hamilton Cardoso, repórter e militante, se fez eterno por ser a cada instante um mobilizador de consciências. Hamilton Cardoso faleceu em São Paulo no dia 5 de novembro de 1999.
Hamilton Cardoso é tão presente,tão necessário e atual, que imagino, com seu sorriso maroto, vá reportar a Marcha Zumbi +10, no dia 16 de Novembro, em Brasília, para os ancestrais e para os que estão por vir. Espero que ele escreva, no infinito, que valeu a pena gastar sua energia vital conosco, que ainda estamos por aqui.
Fonte: Jornal Irohin
Nossa que depoimento. O racismo é tão forte, que tal depoimento continua atualíssmo.
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