O ator norte-americano Chadwick Boseman morreu de câncer de cólon, segundo informou seu agente Nicki Fiovarante nas redes sociais. Boseman, de 43 anos, foi o protagonista do filme de super-heróis Pantera Negra. “Foi uma honra para sua carreira dar vida ao rei T’Challa em Pantera Negra”, diz o comunicado. Boseman morreu em sua casa, em Los Angeles, na companhia da família.
“Chadwick
foi diagnosticado com câncer de cólon em etapa três em 2016 e batalhou nos
últimos quatro anos enquanto a etapa quatro avançava”, diz a nota. Boseman
também atuou nos filmes Marshall: Igualdade e justiça, Destacamento
Blood e Ma Rainey’s Black Bottom. Ele personificou Jackie
Robinson, o primeiro jogador de beisebol negro a jogar nas Grandes Ligas,
em 42, e o cantor de soul James Brown em Get on Up: A
história de James Brown. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas
considerou sua morte como uma “perda incomensurável”.
A
comunidade afro-americana celebrou o simbolismo de Pantera Negra, a
versão no cinema dos quadrinhos da Marvel que estreou nos Estados Unidos em
2018. Pantera Negra apareceu pela primeira vez em 1966, meses
antes da organização nacionalista negra de mesmo nome. Seus autores foram Stan
Lee e Jack Kirby, dois brancos que haviam criado em 1963 um grupo de mutantes,
os X-Men, vítimas de ódio e discriminação. Influenciados pela efervescência
daqueles anos rebeldes, no número 52 de Quarteto fantástico eles
se atreveram a apresentar um super-herói negro. O sucesso foi imediato.
Boseman
nasceu em 1977 em Anderson (Carolina do Sul), filho de uma enfermeira e
trabalhador de uma empresa agrícola. Era o caçula de três irmãos: o do meio,
dançarino, atuou no musical The Lion King e com as companhias de Martha Graham
e Alvin Ailey. Sempre quis jogar basquete —era muito bom nisso—, mas depois da
morte de um amigo e companheiro de equipe descobriu que também gostava de
escrever: entregou suas emoções a um tiro até a morte em uma jogada. É por isso
que ela escolheu estudar interpretação na Howard University, onde sua tutora
foi Phylicia Rashad (The Bill Cosby Show). Rashad viu seu potencial como
ator e diretor e o ajudou a entrar em um curso especial de teatro
na Universidade de Oxford, uma aventura financiada por Denzel
Washington.
Ao
retornar da Europa, Boseman começou, já em Nova York, a dar aulas de atuação no
Harlem e no Brooklyn, e a interpretar pequenas peças, enquanto dirigia alguns
curtas-metragens e iniciava uma longa jornada de trabalho televisivo, com
participações em episódios de séries como de Law & Order e CSI:
New York. Ele já havia feito sua estreia no cinema, mas em 2014 sua
carreira explodiu com suas caracterizações de Jackie Robinson (o primeiro
afro-americano a jogar na Major League Baseball) e James Brown.
Na telona, Pantera Negra superou a barreira dos 700 milhões de dólares (3,8 bilhões de reais) para se transformar no terceiro filme de maior bilheteria da história dos EUA. O longa de Ryan Coogler despontou também como um fenômeno cultural, com um elenco quase inteiramente negro. Boseman interpretou o super-herói em vários filmes do popular universo cinematográfico da Marvel: Capitão América: Guerra civil (2016), Pantera Negra (2018), Vingadores: Guerra infinita (2018) e Vingadores: Ultimato (2019), a produção que bateu recordes de bilheteria.
“Você não sabe do que está sentindo falta se você não tiver a experiência. Pessoas com descendência africana, a maioria delas cresceu aceitando e amando o Homem-Aranha. Eu ainda amo o Homem-Aranha, o Incrível Hulk. Ainda tenho esses personagens que são modelos de super-heróis brancos. Você basicamente não tem escolha além de aceitar. Você pode ter criado outros super-heróis no esporte ou na politica, mas nunca há aquele super-herói renomado e aceito da mesma maneira.”
Opinião de Influenciadores Digital Negros
Mara Gomes, psicóloga
(Mara Gomes fala sobre a saúde da população negra) |
"Estava
vendo um programa do Jimmy Fallon, o apresentador americano, em que ele colocou
pessoas negras para falarem o que sentiram vendo Pantera Negra. E, depois, ele
(Chadwick Boseman) aparecia. Foi muito emocionante ver a reação das
pessoas quando viam ele. É exatamente o que sentimos quando o filme surgiu. Uma
representação positiva de uma pessoa preta, algo raro de se ver no cinema, de
fortalecimento do sentimento de acolhimento entre a comunidade negra e de se ver
em um lugar diferente, representado em um lugar de poder, ancestral, bonito e
mágico, que era Wakanda. Ele representou todos nossos desejos de infância.
Muitos adultos voltaram a ser criança, além do desejo das nossas crianças de
ver um super-herói igual a elas. A morte dele nos deixa sem palavras, mesmo.
Estou desde ontem (sexta-feira) muito chocada, muito triste, porque
perdemos um grande legado. Nosso herói que representou a Terra que sempre
quisemos viver, que sempre quisemos construir. Sempre quisemos ver a África
representada desta maneira, distante dos estereótipos que foram criados, vendo
uma África com riquezas, com uma comunidade negra que se apoia, que se entende.
Os americanos têm um termo, 'woke', que significa estar acordando. Uma pessoa
que está consciente de sua existência negra, para além dos estereótipos, é uma
pessoa que está acordada. E este momento está nos pedindo para acordarmos.
Muitas pessoas que não estão pensando nestas questões raciais, não digo pessoas
negras, mas pessoas brancas, porque as pessoas negras estão sempre conscientes,
e o quanto isso molda a nossa sociedade. A morte dele, neste momento, é isso.
Parou de existir, mas deixou esse legado, de nos encontrarmos como pessoa
preta, entendermos o que a nossa existência significa neste mundo para além do
racismo, do estereótipo, de todas as coisas ruins. Isso me faz pensar também no
filme da Beyoncé, Black Is King. Tem uma parte que ela fala que, quando não nos
vemos por tanto tempo, passamos a acreditar que não existimos. E o Pantera
Negra nos deu uma condição de existência, diferente da condição que nos é mostrada. Não foi só um
super-herói."
Marcelo
Carvalho, escritor
(Marcelo Carvalho criou o Observatório do Racismo) |
"Ele (Chadwick Boseman) simboliza bem o que falamos sobre representatividade. Um herói que saiu da tela e inspirou a vida real. Foi um herói que as crianças começaram a admirar e a ver a possibilidade de serem heroínas na tela da televisão. Fora dela, inspirou diversos movimentos 'Wakanda', de união dos povos negros. Acho que esse é o maior legado, de falarmos sobre representatividade, nos enxergarmos como possibilidade e inspirarmos crianças. Diversos atletas, de diversos esportes, logo depois do filme, comemoravam fazendo o gesto dos Panteras Negras, crianças do mundo inteiro fazendo o gesto... É isso, a importância dessa representatividade negra que tanto brigamos. Existia, sempre, uma falta de representatividade. As crianças não tinham super-heróis negros. Quando Wakanda surge, a criançada se enxerga naquele super-herói, enxerga a possibilidade de estar neste mundo como ator, na tela. Ele conseguiu unir pessoas e comunidades em torno da causa negra. Surgiram muitos debates em torno do filme, daquela sociedade possível, negra, intelectual. De nos vermos nesses lugares, como atores, produtores, diretores, intelectuais, em um mundo construído a partir da visão negra. O mundo sempre nos enxergou como um corpo. Estávamos muito mais nas tarefas que exigiam o corpo, e não a mente.